Welket Bungué: Eu Não Sou Pilatus + Mudança + Memória
Lolo Arziki
19 de Maio de 2023

Luas Novas: Welket Bungué


O cinema de Welket Bungué demarca a urgência da fala. Sendo uma pessoa com alguma intimidade com as obras do artista, sempre contemplei o facto do Welket produzir de forma rápida e constante. Com prática de investigação em cinemas negres consigo relacionar isso diretamente com uma fala de Zózimo Bulbul quando o questionaram sobre a duração do filme Abolição: “Nunca sei quando é a última vez que vou fazer um filme então quando o faço quero deixar nele todas as questões que me afligem no momento.”

Assim como Zózimo, além de cineasta, Welket é uma pessoa negra e suas obras não estão separadas de seus corpos, daí eu ter começado por referir a urgência da fala.

Os filmes que completam esta sessão têm um lugar de existência comum que é a vivência de pessoas negras — desde a sua negação à sua celebração.

Em algumas culturas a morte é congênere à vida e isso está presente na arte e na intelectualidade também. Transito agora para a observação do filme Eu Não Sou Pilatus que reflete sobre a violência e a negação da humanidade de pessoas negras em Portugal.

Sob o olhar subjetivo da personagem, a obra é toda filmada com smartphone, como se fossem câmaras clandestinas instaladas nas ruas que vigiam e punem.

A ideia de filmar o racismo sob a perspetiva do racista é cinematograficamente genial e o realizador consegue se distanciar do tema, embora lhe seja muito presente, colocando em evidência a tese de que o racismo é um problema criado e subsistido pelo racista.

O conceito de raça é desconstruído no filme pelo olhar do espectador que se espera emancipado e o olhar da realização que é afrontoso, na medida em que constrange o conceito de pátria e de nacionalidade.

O cinema de propaganda em Portugal marca até hoje a vida dos portugueses, de formas muito distintas, pelo que o que o cinema decolonial propõe é também a reeducação do olhar viciado das massas. Tanto Eu Não Sou Pilatus como Mudança atuam nesse campo de descolonização no sentido de reeducar as mentalidades opressoras, uma numa linguagem mais sarcástica e outra numa linguagem mais poética.

Mudança é uma referência ao tempo, à voz e ao corpo. Num sistema onde a capacidade de produção é condicionada por um tempo pré-determinado pelo capitalismo, o capacitismo se torna um grande problema; numa sociedade onde mais queremos falar do que ouvir, conseguirmos nos abrir para outras formas de comunicação é o que se espera da civilização e da democracia. Quer a poesia de Joacine Katar Moreira quer a performance de Alesa Herero e Welket Bungué nos confrontam com a decolonialidade do tempo. Mas ao mesmo tempo que reeducam as mentalidades opressoras também dialogam com o corpo que é oprimido. Assim como o filme Memória que lembra a esse corpo o poder de poder se distanciar da violência e reconectar com seus espíritos transcendentes.

Memória resgata os discursos de Cabral e dá-lhe corpo e ambiente atual. De um ponto de vista estético, o filme é muito belo, com uma referência quer ao cinema clássico quer à arte contemporânea africana. Enquanto os dois primeiros filmes transitam pela Diáspora e contextualizam nela o corpo negro, Memória volta para o continente, chama Cabral e acorda a consciência e a autonomia do povo para relembrar que a liberdade já foi conquistada e que a luta hoje é para se usufruir dela.

Cabral, aos 20 anos de idade, escreveu sobre o desejo de ter um filho, não num sentido biológico mas na esperança de ter gerações que dessem continuidade ao caminho que havia trilhado, e ele chama atenção a esses filhos sobre a necessidade de nesse percurso se manterem vivos, não de sobreviverem, mas de viverem e sentirem a vida.

O “viver” se destaca em quase todas as obras de Welket e principalmente no Mudança e Memória, pela presença da dança/performance: o corpo em movimentos leves, em busca de seus sentidos mais ilibados que o humanizam.

A dança, a música e a performance sempre foram instrumentos de luta para indígenas de diferentes territórios. Em meio de tanta exposição, angústia da fala e labuta, a dança surge como representação do viver ou do desejo de viver.


Lolo Arziki

Investigadora, realizadora, programadora e professora associada na Universidade Sorbonne Cineasta formada em Vídeo e Cinema Documental e com um mestrado em Estética e Estudos Artísticos, Lolo Arkizi realizou, até à data, uma curta-metragem documental, Homestay (2017), premiada em dois festivais, em Portugal e em Cabo Verde, e três vídeo-performances, exibidas em galerias de arte na Europa e no Brasil. Recentemente, após ter denunciado que dois dos seus projetos fílmicos foram alvo de censura em Cabo Verde, Arziki distanciou-se da realização, dando continuidade à sua prática de programação e curadoria em festivais e mostras internacionais de cinema.

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