Sob a Superfície
Guilherme Blanc e Lídia Queirós
5 de Setembro de 2024

Para a abertura da nova temporada, propomos um ciclo que compreende uma selecção de obras que, atravessando vários géneros e estéticas, questionam a complexidade de uma personagem que trespassa a história do cinema: a Piscina. Apesar do encanto cintilante das suas superfícies, e da forma como interrompem artificialmente a paisagem e aprisionam a natureza para nosso prazer, as piscinas sempre reflectiram tensões e contradições que pretendemos explorar.

A arte tem escolhido a piscina como gatilho para despertar emoções naqueles que a observam. No caso do cinema, mesmo quando figurante por escassos segundos, transporta em si uma qualidade magnética, inexplicável, que se crava na memória colectiva. O homem morto na piscina ao início de Sunset Boulevard (Billy Wilder, 1950); a tensa cena do possível desfecho fatal em Cat People (Jacques Tourneur, 1942/Paul Schrader, 1982); o olhar de desejo entre os dois protagonistas de La mala educación (Pedro Almodóvar, 2004); ou o adolescente indolente que flutua na sua piscina em The Graduate (Mike Nichols, 1967), que Sofia Coppola viria a homenagear em The Virgin Suicides (1999), são disso exemplo.

Para Sob a Superfície: A Piscina no Cinema escolhemos, no entanto, filmes em que a piscina assume um papel dramatúrgico que consideramos central. E questionamos: como é que os seus jogos de cor e luz estimulam encontros e separações, tornando-se espaços de fantasia, cuidado e desejo, mas muitas vezes de desigualdade e violências?

A multiplicidade do ciclo é apresentada através do filme-prólogo The Swimmer (Frank Perry, 1968). Esta obra caleidoscópica protagonizada por Burt Lancaster encapsula vários elementos que o programa pretende explorar: a cinematografia do corpo na água, a fronteira líquida entre realidade e sonho, a água como portal da nossa existência, ou a sua simbologia como espelho de aparências e privilégio.

A piscina como lugar de fantasia e movimentos coreográficos arrebatadores é representada principalmente em Million Dollar Mermaid (Mervyn LeRoy, 1952), espectacular aquamusical protagonizado pela “sereia de Hollywood” Esther Williams, mas também em filmes como aquele que o antecede, La natation par Jean Taris, champion de France (Jean Vigo, 1931).

Também as protagonistas do filme La naissance des pieuvres (primeira longa de Céline Sciamma, de 2007) estão a aprender a moverem-se como sereias, mas aqui o foco é o desejo. A associação entre piscina e erotismo perfilha uma longa tradição que se entrelaça com temas queer — como acontece neste filme e na obra biográfica sobre David Hockney, A Bigger Splash (Jack Hazan, 1974) — mas também com assuntos ligados ao despertar sexual adolescente, como sucede em Entretanto (Miguel Gomes, 1999), Deep End (Jerzy Skolimowski, 1970) ou La terraza (Leopoldo Torre Nilsson, 1963). Este último, uma pérola do cinema argentino, conta a história de um grupo de jovens da alta sociedade que se rebela contra os adultos trancando-se num terraço de um prédio em Buenos Aires.

Uma certeza desde o início do projecto curatorial era a inclusão de Deep End, do mestre polaco Skolimowski, onde o adolescente Mike, recém-empregado numa piscina pública em Londres, se apaixona pela sua colega, o que o conduz a um desfecho trágico. Com este filme, duas novas camadas de significação emergem: de que forma as dinâmicas interpessoais diferem quando uma piscina é pública? E quão pesada pode ser uma piscina vazia?

As piscinas vazias ou inutilizadas desdobram-se noutras histórias e temas: a ecologia e a piscina como elemento agregador de uma comunidade, presentes em Dogtown and Z-Boys (Stacy Peralta, 2001), documentário sobre o grupo de skaters Zephyr. Uma seca na Califórnia havia levado ao esvaziamento de piscinas, que esta comunidade invadiu e ocupou para criar manobras verticais que mudariam para sempre a modalidade. Outra piscina inutilizada, ora cheia ora vazia, é a de Les diaboliques (Henri-Georges Clouzot, 1955), obra maior do suspense francês e que exemplifica outra habitual ligação representativa — a piscina como prenúncio de morte. E por causa desta dicotomia presença/ausência do corpo, juntamos na mesma sessão o canónico vídeo-ensaio de Bill Viola, The Reflecting Pool (1979).

Algumas itinerâncias mais abstractas ou experimentais incluem outros filmes de artista dedicados às piscinas, nomeadamente Pools (Barbara Hammer e Barbara Klutinis, 1981) e Moon’s Pool (Gunvor Nelson, 1973), ou o sensível testemunho Nameless Syndrome (Jeamin Cha, 2022) e o utópico Army of Love (Alexa Karolinski e Ingo Niermann, 2016), centrados nos temas de diferença, cura e cuidado.

Subjacente a muitas das obras está uma crítica às desigualdades sociais que as piscinas naturalmente acarretam, como efectivo lugar de privilégio, particularmente criado para pessoas brancas, como explana Diane Lima em Negros na Piscina, a partir da obra fotográfica de Paulo Nazareth (que descreveu o seu primeiro banho de piscina, na casa dos patrões, como “um evento racial, tanto pelas condições da água, quanto pelo constrangimento sofrido”). Canoas (Tamar Guimarães, 2010) e Que Horas Ela Volta? (Anna Muylaert, 2015) dão tecto a estas histórias, num epílogo de uma odisseia fílmica aquática que desejamos reluzente, mas — como referiu David Hockney a propósito da sua piscina — que nos permita imergir e ver através das suas camadas superficiais.

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