O Império dos Sentidos
Róisín Tapponi
5 de Outubro de 2024

Surpreende-me como estão a ver este filme em público no cinema. É demasiado excitante, eu iria perder a cabeça. O Império dos Sentidos (1976) é, sem dúvida, um dos filmes mais eróticos da história do cinema. É difícil de ver e manter uma postura corporal normal. Estou a imaginar as pessoas sentadas ao vosso lado: a respiração pesada, o engolir em seco, o cruzar e descruzar das pernas.


Este filme vai fazer com que acreditem novamente em atração física pura.


O plano inicial é um olhar fixo de Sada Abe, deitada e sozinha, com os olhos a atravessar a objetiva da câmara. O plano final inclui Sada Abe e o seu amante, Kichizō Ishida, deitados juntos. Apesar das circunstâncias, não há dúvidas de que ela conseguiu o que queria. A fantasia sexual da protagonista foi concretizada.


O argumento é incansavelmente impulsionado pela corporalidade intensa. Existem poucos preliminares, beijos ou conversas entre os amantes. Todo o corpo de Sada Abe treme compulsivamente entre o prazer e a dor, ela afunda-se repetidamente em neve, esperma e lágrimas salgadas. Kichizō Ishida faz-lhe um minete à chuva. Os sentidos corporais dos amantes estão sempre em alerta e famintos. Na alienação e dissociação corporal de se viver numa cidade moderna, a ideia de se viver de acordo com os desejos físicos transforma-se em algo inacreditavelmente romântico.


A paixão é perseguida até aos seus limites: o chamamento da morte entra em ação. Parece lógico que tal aconteça no filme, a perseguição física de uma paixão que engloba tudo torna-se tão extrema que o corpo fará tudo para a atingir. Não existe uma distinção normal entre amor e sexo, entre sexo e violência. À medida que a história se desenrola, os limites morais monótonos são voluntariamente rejeitados. Talvez isto seja difícil de imaginar. Mas o amor não engana, especialmente um amor quase exclusivamente sexual. "Não te preocupes comigo, aproveita apenas." Esta frase quase no fim do filme deixa-me sempre sem forças. Porque Kichizō Ishida está mesmo a falar a sério. E ele sabe o que tal significará.


A cena final inclui uma narração do realizador Nagisa Ōshima, ao estilo de Jean-Luc Godard no final do filme Vivre sa vie (1962). Ele conta uma breve história da figura histórica real Sada Abe, uma gueixa e profissional do sexo japonesa. Ela cortou o pénis do amante e andava com ele no seu quimono. Depois enfrentou uma pena de prisão e um escândalo que durou toda a sua vida. A locução de Ōshima lembra-nos que o filme está enraizado na verdade, que o sexo até à morte é real. Quando O Império dos Sentidos estava a ser desenvolvido, supostamente Ōshima procurou Abe. Após uma longa pesquisa, encontrou-a num convento, de cabelo rapado.


O Império dos Sentidos foi o primeiro filme hardcore não estimulado lançado no Japão, fortemente censurado aquando da sua exibição nos cinemas nacionais. Só eram visíveis as cabeças dos atores, uma barra preta espessa cobria o resto do ecrã. O filme foi coproduzido por Anatole Dauman, cofundador da Argos Films, uma empresa de produção cinematográfica independente lendária. Dauman tinha pedido um "filme erótico" e ficou surpreendido ao ver o filme final, que foi considerado pornográfico. Aparentemente, existe esta diferença em França.


O filme é uma história de amor sexual verdadeira. Também é importante realçar o mais evidente: nem toda a violência sexual é o resultado de amor e paixão. Mas neste filme é. Continua a ser problemático, claro, mas é o que é. Alguma vez sentiram tanto desejo por alguém que quase vos levou à morte? Quanto de vocês estão dispostos a entregar ao desejo sexual? Quais são os vossos limites que restringem a vossa busca do desejo? Este é um filme sobre o que acontece quando não há limites.

Róisín Tapponi
Róisín Tapponi (n. 1999, Dublin) é uma escritora e programadora de cinema que vive em Londres. É fundadora da Shasha Movies, plataforma independente de streaming de filmes e vídeos de artistas do Sudoeste Asiático e do Norte de África. Já fez curadoria de programas de cinema para The Academy, MoMA, 52 Walker St. David Zwirner, e-flux, Anthology Film Archives, Film Forum, Metrograph, Frieze, Chisenhale Gallery, Art Jameel, entre outros. Concluiu um doutoramento em História da Arte na Universidade de St. Andrews.

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