18 + Os Inúteis + Para Norte
Lendl Barcelos
8 de Abril de 2024

Não tenho desejos.

A história da passagem para a maioridade será sempre um clássico: uma proclamação dos momentos transformativos entre a adolescência e a idade adulta. Sendo que cada geração e a sua circunstância social tem as suas próprias preocupações, estas narrativas oferecem-nos um registo da atmosfera psicofísica particular e do habitus que estão em jogo. Os filmes de Rui Esperança giram em torno da amizade e da pós-adolescência, oferecendo-nos retratos de uma classe média portuguesa branca no início da idade adulta.

Um tema recorrente em todos estes filmes é a ansiedade e a relutância da partida, à medida que um grupo de amigos se prepara para seguir caminhos de vida separados. Em 18, vemos em plano aproximado alguns momentos cruciais que precedem as (in)decisões de um grupo de adolescentes, prestes a terminar o ensino secundário. A procura de uma educação superior liga-se à seleção dos cursos e à manutenção de uma certa média de notas. A iniciação à idade adulta é moldada por considerações sobre empregabilidade e as exigências dominantes do mercado de trabalho. A perspetiva de emigração também pesa bastante, acrescentando outra camada de complexidade a estes futuros desconhecidos. Enquanto contemplam a possibilidade de se afastarem da sua cidade natal, os laços de amizade entre os jovens saturam-se com a antecipação da separação e a incerteza da manutenção de ligações através da distância. Isto é demasiado para qualquer pessoa.

Longe estão os tempos em que um caminho pré-formatado assegurava o esquema de uma vida: uma sequência heteronormativa desde o nascimento, escola, secundário, universidade, carreira, casamento, crianças, crise de meia idade, e, por fim, a morte. Ainda assim, a estrutura rígida do sistema educacional pretende supostamente preparar estes estudantes para o que irão encontrar no futuro. Se foi apenas há uma década que os millennials foram avisados do lento cancelamento do seu futuro, os filmes de Rui Esperança reproduzem situações em que o futuro da juventude da Geração Z já foi cancelado. É uma era apática repleta de amigos que em breve estarão ausentes e de uma explícita falta de desejos. Nada disto vem como uma crítica, nem à geração anterior nem a esta. Se cada estádio formalizado da vida oferecia, outrora, uma trajetória clara, a paisagem de hoje parece marcada pela ambiguidade e um sentimento de falta de perspetivas.

No trabalho de Rui Esperança, as narrativas desdobram-se sobretudo através de enquadramentos aproximados. Isto reflete a falta de entusiasmo das personagens em relação ao que vem, que racionalizam dentro dos limites das suas experiências imediatas. Qualquer indício de contextos socioeconómicos ou ecológicos mais vastos — como questões internacionais ou uma perspetiva mais ampla — é apenas insinuado e o foco permanece fortemente nas dinâmicas intimas dentro do núcleo de uma pequena bolha de amigos. Por exemplo, em Para Norte surgem pistas de um contexto mais amplo através da frequência de uma série de festivais de música, contudo os outros festivaleiros permanecem indistintos, permitindo aos espectadores mergulharem nos momentos mais privados das personagens, quer seja quando convivem nos parques de campismo ou quando se perdem a dançar. Mas nunca temos uma ideia explícita da sua situação contextual, nem de nenhuma das suas preocupações mais alargadas. Na verdade, nunca vemos estas personagens fazerem alguma coisa: convivem, conversam, preocupam-se com o futuro, dançam um pouco, e esperam que a idade adulta floresça.

Há uma pureza delicada nestes retratos de pós-adolescência. Poucos adultos aparecem nestes filmes. Em 18, vislumbramos um professor, um conselheiro, bem como um segurança e o pessoal de serviço que vigia os adolescentes durante o baile de finalistas. De forma semelhante, Os Inúteis fornece apenas um olhar fugidio e indistinto ao que poderá ser o pai de uma das personagens, sentado num sofá ao fundo. Estes adultos — raramente vistos — servem como estruturas de apoio escondidas destes adolescentes de classe média, que podem afundar-se em futuros incógnitos, esquecendo-se muitas vezes que as suas vidas são possíveis graças a uma rede maior de interdependência e privilégio subtil.

Lendl Barcelos
Artista, “katafísico” e DJ, Lendl Barcelos explora as matérias vibratórias, muitas vezes da dimensão aural, mesmo quando estas ocorrem para além dos limites humanos normativos. Ao lado de Tarek Atoui, Allison O’Daniel, Myriam Lefkowitz & Valentina Desideri, integrou o projeto Infinite Ear, baseado na premissa de que a surdez constitui uma especialização em som. Os seus trabalhos têm sido apresentados na Biennale Architettura XVIII (Veneza), Centro centro (Madrid), Garage (Moscovo), Inkonskt (Malmo), Q-O₂ (Bruxelas), Donau (Porto), e tem textos publicados por Urbanomic, re:press, MIT e Norient.

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