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Le meraviglie
Djaimilia Pereira de Almeida
26 de Janeiro de 2025

A estação das maravilhas

“Gelsomina! Gelsomina! Anda!” A todo o momento, em Le meraviglie, o pai chama Gelsomina (Maria Alexandra Lungu). O chamamento, quase refrão, soa por vezes a reprimenda. A filha mais velha ajuda-o no trabalho com as abelhas e é como mãe das irmãs mais novas. Apicultores, o grito do pai pela filha vem de outro tempo, que já não é bem o tempo da filha. Ele chama-a, como se para impedi-la de sonhar acordada ou, de alguma forma, para impedir Gelsomina de crescer, mas não o consegue. Maria Alexandra Lungu é exímia no modo como representa a fascinação de uma menina-mulher pelo desconhecido, no primeiro momento em que Gelsomina e as irmãs dão de caras com Milly Catena (Monica Belucci), apresentadora de televisão e protagonista de um reality show interessado em enaltecer as tradições locais. O olhar de Gelsomina diante de Milly assinala que o grito do pai nada pode perante o decorrer do tempo e do crescimento. É um olhar vindo de dentro do mistério: confuso, enfeitiçado, inquisitivo e agradado.

São mais as maravilhas do que as ilusões da vida adulta o que parece inspirar Gelsomina. O seu futuro como mulher encontra um par na cidade distante, chegada com a equipa de televisão à região onde vive, mas, mais ainda, com a chegada da ideia de televisão e da ideia de cidade que a equipa extravagante traz ao interior. A “adultez” encontra um par na cidade, por oposição ao campo e à puberdade. Por isso, entrar num programa de televisão consiste em colocar o pé fora da água para um lugar desconhecido como é o futuro de Gelsomina.

Em Le meraviglie, a televisão não traz, porventura, a degenerescência nem a corrupção do espírito, antes surge como o outro lado do espelho além do qual a meninice é uma aldeia remota, algures na Toscânia, em Itália, e a vida adulta, efervescente e misteriosa, é uma picada de abelha. Importa, aliás, que se trate de uma família de apicultores, uma vez que o mel e a picada, o perigo e a delícia, e a delícia do perigo, são aqui motivos da natureza tentadora das maravilhas da cidade distante. Gelsomina sabe domesticar as abelhas, é-nos revelado desde o começo. Mas saberão, ela e a família, resistir à picada? De repente, não se trata tanto de nos protegermos do veneno e dos predadores, mas de caminharmos no sentido deles, de nos deixarmos, de livre vontade, seduzir por aquilo que sabemos que magoa.

Le meraviglie trata dos campos e da cidade como motivos de uma investigação em torno da transformação do corpo e do espírito, diante da passagem do tempo. Gelsomina não é uma figura da ingenuidade, mas é quase uma mulher. Por mais que o pai a chame, a filha (que ele conhecera) já não vem, porque, após a picada, Gelsomina, a filha prendada, já não existe. Por isso, o chamamento zangado do pai das primeiras cenas é aqui tão decisivo. O nome de Gelsomina é o mesmo, mas a pessoa a que se refere, e aquilo que significa, vai-se transformando ao longo de Le meraviglie. Chamando a filha, o pai chama outra filha, porque Alice Rohrwacher filmou a sua transfiguração: Le meraviglie revela-nos essa coisa rara de se ver, que é a estação em que uma menina se transforma numa mulher.

Djaimilia Pereira de Almeida
Djaimilia Pereira de Almeida é uma artista portuguesa. É autora de 14 livros, entre os quais os romances Esse Cabelo (2015), Luanda, Lisboa, Paraíso (2018), As Telefones (2020), Três Histórias de Esquecimento (2021) e Ferry (2022). Os seus livros e ensaios receberam o Prémio Oceanos, o Prémio de Ensaísmo Serrote e o Prémio Literário Fundação Inês de Castro, entre outros. Ensinou literatura e filosofia na New York University (NYU). É consultora da Casa Civil do Presidente da República para os Direitos Humanos, Igualdade de Oportunidades e Não-Discriminação. A sua obra, traduzida em dez línguas, foi publicada na serrote, Granta, Folha de S. Paulo, ZUM e la Repubblica.

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