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How to Save a Dead Friend
miguel bonneville
20 de Fevereiro de 2025

vieram-me imediatamente dois filmes à memória ao ver how to save a dead friend: tarnation (2003), de jonathan caouette, e noites (2000), de cláudia tomaz. o primeiro porque foi criado a partir de mais de 20 anos de filmagens pessoais (em super 8 e vhs), fotografias, e mensagens deixadas em atendedores de chamadas, que caouette editou para contar a história da sua vida e da relação complicada que tinha com a sua mãe, que sofria de transtornos psicológicos. o segundo porque segue um casal que, de forma a sobreviver e sustentar a sua dependência da heroína, recorre a diferentes esquemas, sempre no limite do desespero, mas tendo-se um ao outro como consolo.

 

todos estes filmes são primeiras longas-metragens filmadas com câmaras digitais. são auto-retratos documentais — em que os realizadores são também os protagonistas — com laivos ficcionais (e vice-versa), extremamente pessoais e, por isso mesmo, extremamente políticos. são actos de resistência. noites e how to save a dead friend começam, inclusivamente, de forma semelhante: com um travelling que mostra bairros degradados — reflexo do desgaste, do abandono e da indiferença a que os protagonistas também estão sujeitos. este filme tem como pano de fundo um regime autocrático — definido pela centralização do poder, pela repressão política, pelo controlo dos meios de comunicação, pela restrição da liberdade — que marcou, e continua a marcar profundamente, as vidas de várias gerações, sendo uma delas a da realizadora.

 

os millennials da rússia cresceram, portanto, num ambiente de repressão e alienação, tendo de lidar com a falta de perspectivas relativamente ao futuro, e com a asfixia das suas expressões individuais e colectivas — uma “geração silenciada” (que transcende fronteiras) cujas vozes, ideias e esperanças foram sistematicamente marginalizadas.

 

a depressão torna-se, então, comum. o suicídio torna-se parte do quotidiano. e quando não há saídas, quando não há soluções, recorre-se à violência — contra os outros, contra si mesmo (se é que podemos diferenciar e separar esses movimentos um do outro) — e ela vira-se contra nós. a punição espia-nos a cada momento.

 

uma resposta possível, um modo de sobreviver a tudo isto, é a união: a amizade, o amor, como possibilidades de consolo. tal como teresa e joão se têm um ao outro em noites, também marusya e kimi se aliam, cuidando-se mutuamente. a depressão age como força unificadora, bem como a vontade visceral de rejeitar as normas impostas por um governo que promove uma política assente em “valores tradicionais”, acompanhada de uma retórica anti-ocidental que acaba por exacerbar a sensação de isolamento cultural. daí, talvez, o fascínio dos protagonistas por ícones da música pós-punk e grunge da inglaterra e dos estados unidos: ian curtis, kurt cobain, courtney love — símbolos de resistência, expressivamente crus, que contestaram as estruturas hegemónicas dos seus respectivos países através da música.

 

embora os contextos políticos e culturais da rússia contemporânea, da inglaterra dos anos 80 e dos estados unidos dos anos 90 sejam bastante distintos — os ingleses e os americanos viviam em democracias que permitiam alguma liberdade de expressão, enquanto os russos enfrentam um regime que suprime activamente os seus direitos —, há entre eles paralelismos significativos; em inglaterra, o movimento punk surgiu como grito de revolta contra as políticas neoliberais de margaret thatcher — que aumentaram as desigualdades sociais e geraram uma desilusão desmedida, sobretudo entre a classe trabalhadora — e, nos estados unidos, o grunge veio criticar o ideal do “sonho americano” dando voz a uma geração absolutamente alienada e frustrada com o consumismo e a superficialidade cultural da altura.

 

em todos estes contextos, a música surgiu como forma de resistência, como ferramenta para expressar angústia, medo, raiva e frustração, como forma de procurar uma fuga à opressão do estado, e de deixar um testemunho em nome da liberdade.

 

(e deixo aqui uma nota para que não se esqueçam as pussy riot que, para quem não sabe, é um colectivo feminista russo, fundado em 2011, que ficou conhecido por organizar

performances e concertos de guerrilha em lugares públicos, e cujas acções se opõem claramente às políticas de vladimir putin — tendo três das suas integrantes sido presas e enviadas para acampamentos prisionais remotos, semelhantes aos gulags, estando sujeitas a trabalhos forçados para cumprirem as suas penas.)

 

apesar das diferenças de época e lugar, as lutas contra a alienação e a opressão criam uma ligação entre todas estas gerações. e apesar de, aqui, termos, por enquanto, uma maior liberdade política, também eu me sinto perdido, zangado e desiludido com sistemas que parecem ser incapazes de resolver problemas estruturais como, por exemplo, a desigualdade e a precariedade — e tenho a certeza de que não sou o único a ter esses sentimentos.

miguel bonneville
miguel bonneville introduz-nos a histórias autoficcionais, centradas na desconstrução e reconstrução da identidade, através de obras que cruzam múltiplas áreas artísticas. Realizou filmes como Traça (2016), Um medo com duas grandes faces (2022), e Camera obscura (2023). Publicou os livros Ensaios de santidade (Sr. Teste, 2021), O pessoal é político (Douda Correria, 2021), e ainda as edições de artista Jérôme, Olivier et moi (Homesession, 2008), Notas de um primata suicida (2017), e, através do Teatro do Silêncio, Dissecação de um cisne (2018), Lamento do ciborgue (2021), Recuperar o corpo (2021) e Câmara escura (2022).

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