Grease, Randal Kleiser
Maria João Castro
21 de Julho de 2023

Amores de Verão


Realizado em 1978 por Randal Kleiser, Grease tornou-se um dos musicais com maior sucesso no cinema e, para surpresa de muitos, um clássico para futuras gerações. Era uma adaptação de um musical que brilhara nos teatros de Chicago e de Nova Iorque a que se tinham acrescentado algumas canções às músicas originais de Jim Jacobs e Warren Casey. O que explica o seu sucesso?

O enredo é simplista: depois de um platónico romance de Verão, Danny e Sandy voltam, inesperadamente, a encontrar-se no mesmo liceu, como finalistas. Os desencontros e mal-entendidos surgem porque Danny, líder do gangue T-Birds, tem de manter um estilo “cool”, machista e nada romântico, que choca a virginal e recatada Sandy. A história é contada através de momentos musicais, com excelente coreografia de Patricia Birch, que nos trazem os dias quentes de Verão, a vitalidade da juventude, cores vibrantes e uma banda sonora, inspirada nos ritmos do rock and roll dos anos 50, que ficou no ouvido de sucessivas gerações. Embora rompendo musicalmente com os anos gloriosos de Rodgers e Hammerstein, estes momentos mantêm todos os mecanismos artificiais e até delirantes dos velhos musicais americanos, como no “Beauty School Drop Out” com o fabuloso cameo de Frankie Avalon, famoso entre os adolescentes nos anos 60. A verdade é que todos nós continuamos a entoar “Hopelessly Devoted to You”, “Summer Nights” ou “You’re The One That I Want”, por exemplo.

A presença de John Travolta como protagonista também atraiu muito público, devido ao furor que tinha causado, um ano antes, em Saturday Night Fever, com os seus dotes de dançarino. Curiosamente o comeback de Travolta para a ribalta de Hollywood deu-se, em 1994, em Pulp Fiction, de Tarantino, onde o seu número de dança se tornou viral e com isto ganhou novos públicos para os seus filmes. Em Grease, Travolta inspira-se em Elvis Presley, com menos movimentos pélvicos, mas com brilhantina e casaco de couro.

Claro que estamos perante uma construção artificial e nostálgica que os finais dos anos 70 fizeram sobre os anos de 1958/59, e é essa memória construída que nos é legada e de que as gerações posteriores também alimentaram. Grease não é enredo: é, sim, cenário, anacrónico e idealizado, sobre as convenções e a iconografia que construímos em torno deste período de mudança. Há uma intemporalidade que o torna apelativo e até os actores principais são claramente adultos a representar adolescentes!

Grease não exibe apenas a época adolescente dos baby boomers, dirige-se também aos públicos jovens que se seguiram e passaram a ser uma força a ter em conta na cultura de massas. A prosperidade do pós-guerra permitira aos seus pais garantir que eles estudavam até mais tarde, e até mesmo chegar à universidade. Inventava-se a adolescência, prolongava-se a juventude que agora criava novos consumos, novas formas de sociabilidade e uma nova iconografia que era representada pela cultura do rock and roll. A música, o cinema e as revistas eram desconhecidas dos seus pais e começava uma verdadeira revolução cultural. E o carro, omnipresente neste filme, acessível a estes adolescentes, permitia uma liberdade nunca antes vivida, inclusive do ponto de vista sexual.

E o início da revolução sexual é o tema principal deste filme. A personagem que o simboliza é Sandy, que faz o percurso de adolescente ideal para todos os pais, virgem, recatada e conservadora para a jovem que, no final, vestida de couro preto, assume o desejo sexual cantando “and I need a man”. Este final continua a ser polémico. A mudança foi para agradar “ao seu homem” ou foi uma verdadeira ruptura com os valores reaccionários da classe média americana? Para muitos, Sandy representa o símbolo da emancipação sexual feminina, que surgiria em força nos anos 60, atingindo o auge nos anos 70. Creio que a personagem da Rizzo, a jovem rebelde e sexualmente activa, que funciona como contraponto a Sandy, é bem mais interessante e densa. O seu sarcasmo e espírito livre estão bem presentes na canção “Look at me, I’m Sandy Dee” em que goza com a jovem púdica, referindo-se a uma famosa actriz que representava a adolescente americana ideal da classe média branca americana, e, sobretudo, em “There Are Worse Things I Could Do”, quando suspeita de uma indesejável gravidez. A sua reacção é muito mais próxima dos tempos futuros do que dos finais dos anos 50.

É verdade que algumas cenas provocam incómodo e perplexidade ao nosso olhar actual e até já houve tentativas de cancelamento. É um filme “branco”, que retrata os subúrbios da classe média branca americana e onde há uma ausência gritante de minorias raciais. Estão lá apenas os italianos e os polacos de origem trabalhadora, que tinham ascendido socialmente com a prosperidade económica do pós-guerra.

Abundam os exemplos do que designamos por “masculinidade tóxica” nos gestos, na linguagem e nas tentativas de abuso sexual, vistas como o normal de ser homem. Mas este era o mundo em que a juventude dos anos 50 tinha sido educada, e os questionamentos só viriam mais tarde. Grease não é um filme social, mas um musical sobre a sociabilidade destes estudantes de liceu.

Fiquemos com as imagens nostálgicas e idealizadas destes anos 50, em que o sonho americano podia conviver com esta juventude aparentemente rebelde. Em breve, os motins raciais, o Vietname, o assassinato das lideranças políticas e o Watergate levariam à perda da inocência americana.

Maria João Castro

Professora da ESMAE, Maria João Castro leciona as cadeiras de História da Cultura, do Teatro e do Cinema, Pensamento Político Contemporâneo, e Cultura e Ideologia. Mestre e doutoranda em História Política Contemporânea pela FLUP, é investigadora do CITCEM nas áreas da História da Cultura e do Pensamento Político Contemporâneo. É deputada na Assembleia da República, e dirigente e autarca do Partido Socialista no Porto. Desde 2020 que integra a Direção da Associação Amigos do Coliseu do Porto, entidade gestora do Coliseu do Porto.

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