BAP Animation Studio
João Araújo
13 de Outubro de 2024

Há já algum tempo que o cinema português tem vindo a ser reconhecido internacionalmente, em particular nos principais festivais de cinema. Uma importante parte desse reconhecimento deve-se justamente ao cinema de animação, que tem conquistado ilustres e significativos galardões. O estúdio BAP, sediado no Porto, tem sido fundamental em reclamar o cinema como um espaço de histórias, personagens e emoções, nas suas variadas abordagens. Fundado em 2011 como estúdio de animação da produtora Bando à Parte, em 2018 tornou-se num organismo autónomo, uma cooperativa formada por um coletivo (Alexandra Ramires, David Doutel, Laura Gonçalves, Rodrigo Areias, Vasco Sá e Vítor Hugo Rocha), autores que partilham uma visão comum do cinema como forma de experienciar novas perspectivas e viver além da nossa existência.

Sendo o espírito colaborativo do estúdio BAP uma das suas principais características, é comum ver o realizador de um filme nos créditos de outra obra como produtor, argumentista ou um dos envolvidos na equipa de animação; ao mesmo tempo, há um conjunto de temas que atravessam as diferentes obras e encontram pontos em comum, criando pequenas interligações entre os filmes, como se estes estivessem em diálogo ou até como se os filmes se contagiassem uns aos outros. Quase me Lembro, de Dimitri Mihajlovic e Miguel Lima, é um mergulho pelas memórias de uma personagem que já não tem certeza das mesmas, e essa desorientação é presente ao longo do filme, numa vertigem sensorial e emocional. Artefactos de outros tempos, máscaras e espelhos descodificam um puzzle de referências pessoais num movimento perpétuo de imagens-fantasma: o avô como o pássaro, presos pelas paredes desta casa, símbolos de uma promessa de liberdade desaparecida.

Alento, de Leonor Pacheco, é uma transmutação permanente e imparável, de efeito hipnótico (um movimento circular, tal relógio de encantar, parece ser a única constante), e que nos desafia a suspender o pestanejar dos olhos para não perdemos um segundo desta composição enigmática: que organismo é este que exige tanta atenção, que não permite nada excepto total concentração? Homem do Lixo, de Laura Gonçalves, presta homenagem à memória de um tio da realizadora, Manel Botão que, depois de ter emigrado clandestinamente para França, encontra uma nova vida para os objectos que encontra no seu trabalho como homem do lixo. Botão assemelha-se aos respigadores retratados por Agnès Varda. Como afirmou Laura Gonçalves sobre esse filme, “a beleza das pessoas retratadas tocou-me de uma forma tão arrebatadoramente profunda, que não pude deixar de as venerar, ao mesmo tempo que via o meu tio como uma destas pessoas anónimas, que de uma forma também viveu do ‘lixo’ dos outros”. Um movimento contínuo, com transições que tornam possível o que não devia ser, entre diferentes tempos, como se estivesse tudo no mesmo plano — como se as memórias e o presente fossem um todo.

Realizado por Alexandre Siqueira, Purpleboy é um outro filme sobre transformações, uma metáfora sobre procura da identidade. O protagonista do filme é Óscar, um menino transgénero, uma semente que está a germinar, como refere o realizador: “Como Óscar está enraizado e seu corpo ainda está em desenvolvimento, seus pais não sabem o sexo da criança. No entanto, o pai tem certeza de que ele é um menino. Por outro lado, o instinto materno faz acreditar que é uma menina.” Ao jogar com ideias pré-concebidas do que associamos a cada género, o filme utiliza de forma imaginativa essa indefinição para retratar o drama de quem sofre a pressão de expectativas e preconceitos. Elo, de Alexandra Ramires, partilha vários pontos em comum com Purpleboy: o receio de assumir as diferenças e sentir-se confortável com o que não são as normas, de fugir a padrões instalados e expectativas. Filmada com toda a beleza de um olhar enternecedor sobre as suas personagens, esta metáfora sobre duas figuras que acabam por se complementar de forma surpreendente é também uma mensagem sobre manter a fé num futuro mais optimista, mesmo no meio da escuridão.

Uma fábula sobre objectos mundanos que ganham vida própria, Das Gavetas Nascem Sons, de Vitor Hugo Rocha, constrói um imaginário em que gavetas dão lugar a corredores impossíveis, como num truque de magia, revelando o seu interior recheado de vida, num encantamento próprio de um caleidoscópio de ideias. Garrano, de David Doutel e Vasco Sá, continua o trabalho da dupla de dramas melancólicos e de construção narrativa meticulosa, com um realismo que os aproxima de uma abordagem mais clássica. Uma criança e um cavalo, que partilham uma ligação especial no meio de uma triste existência, encontram-se numa situação trágica, resultado do afunilamento de perspectivas próprio de quem não antevê um outro futuro. De outra dupla, Alexandra Ramires e Laura Gonçalves, Percebes é também a continuação de um trabalho documental já explorado anteriormente. A partir de um registo áudio de entrevistas a diferentes habitantes do Algarve, as realizadoras imaginam um retrato comovente e de forma perspicaz também muito actual, de personagens que cada vez menos sentem que a sua cidade lhes pertence. Através de uma ligação ao crustáceo percebe, e à sua resistência, este é também um elogio às pessoas do Algarve e à forma como persistem, com algum humor, perante as adversidades. São diferentes registos, mas retratos sempre de uma profunda humanidade, plenos de empatia para com a condição humana. Esta é uma marca comum nos filmes do estúdio BAP que, nas suas diferentes formas, enriquecem o nosso olhar sobre o mundo.

João Araújo  
Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia do Porto, João Araújo escreve sobre cinema no À Pala de Walsh (do qual é coeditor desde 2017). Colabora, desde 2016, com o Festival Curtas de Vila do Conde, no comité de seleção, na moderação de conversas com realizadores e na coordenação editorial. É diretor e programador do Cineclube Octopus desde 2003. Em 2010, apresentou em vários pontos do país um filme-concerto a partir da filmografia de Yasujiro Ozu. Em 2015 colaborou com o Porto/Post/Doc na programação de um ciclo dedicado a Lionel Rogosin.

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